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A estrada que chama, que une, que separa

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E aí? Qual estrada vai pegar? Que destino vai seguir? O mundo é grande. Mas o pensamento pode ser pequeno. Na maioria dos casos, só depende das suas próprias pernas, e do quanto sua sandália aguentará andando pela estrada, chutando pedrinhas, olhando o infinito pela frente, sentindo peso nenhum com o passado deixado para trás.

Percorrer, andar, correr, dirigir por aí. Nem sempre é tão fácil quanto parece. Alguns são mais preparados para a estrada, para as caronas, para o dinheiro escasso, para o desprendimento rotineiro da vida comum. Estes, sabem que o destino final não é o que importa e sim o percurso, a viagem. Aproveitam cada cinza do asfalto da infinita estrada, sentem na pele cada pedaço de energia dado pelo sol desnudo, sem prédios, sem nada impedindo de iluminar os estradeiros, os viajantes dentro de um carro velho.

Outros, não aguentam tanto a estrada. Vivem dizendo que querem se matar, sentem-se desconfortáveis quando vão ou quando ficam. Preferem escrever poesias, sonhando com a estrada quando estão em terra firme e sentindo saudades de casa quando estão rodando por aí.

Outros ainda, simplesmente encontraram na estrada o seu lar, o seu porto seguro. Eles não têm família, ou não quiseram ter. Eles não conseguem formar família porque sentem falta rapidamente da estrada. Geralmente, os que têm no sangue a verve do sempre estar em movimento, de sempre estar querendo descobrir o que há por detrás da cortina, acabam atraindo pessoas sensatas que sabem usufruir de maneira provisória o que a estrada tem a oferecer, sem nunca se esquecer de voltar, de quando em vez, para casa e dizer para aquela pessoa que lhe espera: “eu voltei, estou bem”.

Sozinhos, na estrada, estes serem mais sensatos são pequenos. Precisam dos amigos estradeiros. Precisam daqueles loucos que detêm os mapas de todos os caminhos, menos o caminho da volta para casa. São os originários da estrada que nunca deixam o sorriso cair, a bebedeira acabar. Eles atraem mulheres dispostas a dar carinho, já aceitando as pré-condições de que todas as trocas afetivas serão passageiras e os vínculos terão data de validade. O sensato, ao lado do estradeiro, não tarda a pegar um bloco, um guardanapo ou um pedaço de jornal para escrever tanta sensação nova, tanta descoberta, tanta vivência mais arraigada de significados para a vida quando se está na estrada.

E então ele escreve um livro. E então ele conquista seus sonhos. E então possui um arsenal de memórias inesquecíveis, palpáveis e fortemente reconfortantes para continuar tocando o barco.

E então o sensato se livra da estrada. A estrada não se livra dele. Nunca a estrada sairá de seus pensamentos. Um dia voltará a rodar, fica pensando. Mas não agora. Agora é hora de ter os pés no chão. De ter corretamente o mapa do caminho de volta para casa, todos os dias, todas as horas. E então o que restará é um crescimento pessoal intrínseco – fruto das viagens, da estrada, do horizonte que não acaba, e isso tudo jamais percebido pelo sensato, mas sim por todo o resto.

O homem sensato, que já viajou, que já pegou a estrada, passa pela rua e as pessoas sentem a grandeza dele, percebem a vivência e o quanto consegue pisar com mais segurança na terra firme. E o homem sensato nunca vai esquecer das provas de amizades, dos frutos do amor, das dificuldades, das alegrias, das dores, dos descaminhos nos caminho, dos trabalhos, do ócio, do jazz, do balcão da boate, do olhar daquela menina, e principalmente do dia em que se sentiu só, abandonado, na pior, sem amigo, sem amor, sem dinheiro, sem forças mas, incrivelmente, com a certeza de que precisava continuar andando na estrada para registrar tudo isso, para deixar nas páginas da história e para tentar compreender, após sentir na pele, como é que um ser humano, tendo chamados persistentes da estrada que o aguarda, pode ter a coragem de não oferecer a mão para o outro que suplica socorro.

*Crônica inspirada no filme “Na Estrada”, de Walter Salles, em cartaz no Cineflix Cinemas, no Maringá Park Shopping


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